Introdução
A capacidade musical sempre foi uma das características que distinguem o Homem dos animais irracionais. Para perceber a complexidade desta capacidade, vou tentar responder à seguinte pergunta: “O que se passa dentro da cabeça de um músico enquanto toca?”, recorrendo a entrevistas e documentários sobre o assunto, entre outros.
Áreas do cérebro e interacção
Antes de falar sobre o cérebro musical, é importante salientar que esta é ainda uma ciência muito recente e em desenvolvimento, sendo por isso necessário manter um espírito crítico.
Quando se toca
Tocar um instrumento activa mais áreas do cérebro do que a maioria das actividades. Quando tocamos, temos o aspecto motor, que tem origem no cerebelo e nos córtex motor e pré-motor; a memória para saber onde estamos na música - hipocampo; conseguir antecipar o que vem a seguir - córtex pré-frontal; a parte emocional da interpretação da música; e, obviamente, o aspecto auditivo, que envolve o lobo temporal (córtex auditivo primário e secundário). Além disto, se estivermos também a ler a música, temos o aspecto visual e espacial, que envolve os lobos parietal e occipital. Toda esta actividade cerebral acaba por levar a uma maior inteligência.
Quando se compõe
Quando um músico compõe uma música ou improvisa, há certas áreas cerebrais que ficam activas, nomeadamente o núcleo caudado, que é responsável pela organização e planeamento de movimento corporal e respostas a estímulos. Pode explicar-se esta activação de uma maneira simples: quando pensamos num padrão ritmico, o nosso cérebro utiliza o núcleo caudado para imaginar como moveriamos o nosso corpo a esse ritmo.
Outra área importante durante a improvisação é o córtex pré-frontal médio, que é normalmente activado quando contamos uma narrativa autobiográfica. A activação desta área mostra que, através da música, estamos na verdade a contar a nossa própria história.
Além disso, durante este processo criativo as áreas de expressão no cérebro ficam excitadas e as áreas de inibição adormecem, permitindo um à vontade e sinceridade não existentes normalmente no indivíduo.
O cérebro do músico
Tendo em conta toda a actividade cerebral que a música promove e a plasticidade do cérebro, é natural que os músicos tenham áreas mais desenvolvidas que um leigo.
Começando pela parte mais óbvia, quanto a analisar material melódico, verificou-se que, quando expostos a frases musicais com finais congruentes ou incongruentes, as ondas cerebrais evocadas por este final diferem entre músicos e leigos, sendo a resposta cerebral mais rápida nos músicos. Em paralelo, os músicos são mais capazes de distinguir timbres. Quando sujeitos a testes de diferenciação de timbre de instrumentos, a amplitude das ondas cerebrais destes é maior do que nos leigos. No geral, a interpretação de material musical é mais fácil e automática para músicos. Estes analisam sequências melódicas com o hemisfério esquerdo do cérebro, em oposição a leigos, que utilizam o direito. Isto constitui um aspecto fundamental no cérebro do músico, pois mostra uma análise mais analítica e detalhada da música.
No entanto, também há alterações menos óbvias: o corpo caloso passa a ter mais ligações nervosas e a transportar mais informação entre os dois hemisférios cerebrais. Este aumento é mais acentuado em músicos que tenham começado cedo a tocar.
O cerebelo também se altera no músico. Esta área está associada à coordenação motora e, num músico, é muito estimulada devido à grande coordenação necessária para obter correcção técnica.
Pegando num exemplo específico, um estudo revelou que, nos músicos de cordas, a representação cortical da mão esquerda é maior do que a dos leigos, devido à extensa utilização dessa parte do cérebro. Novamente, esta reorganização cortical é maior em músicos que tenham começado a tocar desde cedo.
Quando a ligação é maior: sinestesia
Para a maioria de nós, a associação entre sentidos não passa de uma metáfora. No entanto, há quem veja esta ligação como algo muito real, cujos sentidos respondem a estímulos exercidos sobre outros. E isto pode acontecer com quaisquer sentidos. Estima-se que a sinestesia incida em uma pessoa em cada duas mil, mas é provável que haja muitos mais sinestetas, dado que a maioria das pessoas que a têm não a considera uma “perturbação” da qual valha a pena falar.
Quando a interacção entre as áreas corticais activadas aumenta, pode dar-se este fenómeno. Uma teoria diz que este excesso de interacção pode ter origem numa quebra não suficiente de ligações entre neurónios nos primeiros anos de vida.
Outra explicação consiste num feedback desinibido. Quando os sinais vindos dos sentidos criam uma reacção maior do que o suposto, as respostas cerebrais podem activar outras áreas corticais, por exemplo, o som pode activar a visão, unindo assim os dois sentidos. Esta teoria encontra bases em situações de desinibição que ocorrem em não-sinestetas, no caso de epilepsia do lobo temporal, trombose ou tumores cerebrais. Estas situações também podem ocorrer durante meditação, utilização de drogas psicadélicas ou alguns medicamentos.
“Acho que se não fossem os sentidos a música não existia.” (Lind, Sibila)
Analisando especificamente o tipo de sinestesia que associa sons a cores, verifica-se que, na maioria dos casos, é uma ligação limitada e subjectiva. Estes sinestetas tendem a ligar cores a intervalos musicais ou tonalidades específicas.
Há, no entanto, um tipo de sinestesia menos usual, que associa sons ao paladar. Um caso bastante conhecido é o de Elizabeth Sulston. Esta sinesteta associa intervalos musicais a sabores e tem uma lista muito específica de sabores evocados pelos respectivos intervalos.
Música e as suas vantagens
A música pode-nos beneficiar em diversas áreas através do efeito de transferência de aprendizagem. Este efeito ocorre quando conseguimos fazer várias coisas semelhantes ao aprendermos apenas uma.
Foram publicados vários ensaios nos quais se conclui que a música nos ajuda nas capacidades de leitura e linguagem, tarefas espaciais, habilidades verbais e quantitativas, concentração, atenção, memória e coordenação motora.
Relacionando especificamente música e leitura, pensa-se que, como resultado de aprender a ouvir mudanças no tom da música, se melhora as capacidades de leitura pois promove-se a habilidade de pronunciar palavras novas.
Todas estas vantagens vêm mostrar que é benéfico aprender música desde cedo. As crianças sujeitas a esta aprendizagem têm uma melhor expressão pessoal, maior criatividade e coordenação motora e rítmica, um melhor senso de herança cultural, maior desenvolvimento vocal, linguístico, social e cognitivo e facilidade para o pensamento abstracto.
“...[aumentou-me] a capacidade de concentração e o raciocício matemático.” (Neves, Rita)
Numa nota paralela, acredita-se que, como consequência dos nossos instintos primitivos, a música também traga vantagens a nível de relações interpessoais: as mulheres sentem-se mais atraídas por músicos, por razões evolutivas. Estes sempre apresentaram, desde o início da história do ser humano, poderes físicos e criativos superiores aos demais, ficando assim em vantagem.
Conclusão
Com este trabalho concluo que a música é um aspecto importante da cultura e que tanto altera como é alterada pelo ser humano. A ligação entre música e cérebro é algo bastante complexo, pois é exigido aos músicos um grande domínio mental para tocar e, ao mesmo tempo, a entrega emocional total à música. Quanto à aprendizagem, penso que só há vantagens em aprender música: tornamo-nos seres mais evoluidos.
“Eu vivo da música, é o que gosto mais de fazer , paga-me as contas todas. Fico feliz com o que faço, por isso acho que foram só vantagens.” (Barriga, Ricardo)
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Bibliografia
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Documentário The Musical Brain, de Christina Pochmursky.
Entrevistas a: Sibila Lind, Ricardo Barriga, Rita Neves, Luis Santos, João Monteiro, Sofia Paes e Katia Reis.
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