Ideias
| O Problema da Educação
| A Educação não vai Colapsar
| Ainda alguém sonha?
| Ética para um Jovem
| Uma Criança e um Espermatozóide
| Adopção por Homossexuais
| A Superioridade segundo Ratzinger
| La Fontaine Apócrifo
José Prudêncio
Escola no Ano Zero
IDEIAS
O Problema da Educação
José Prudêncio
O problema é que os professores são atacados demagogicamente, sem sentido de Estado, tentando arranjar-se um bode expiatório. Ainda que a maioria dos professores fosse má, o que é falso, havia que os tratar construtivamente porque não se pode melhorar a Educação sem o seu entusiasmo, e porque ao menosprezá-los se está a minar a própria instituição educativa. O problema é que as causas do estado da Educação em Portugal continuam a não ser atacadas, ou seja, as políticas educativas amadoras e disparatadas dos últimos 30 anos, o atraso cultural que vem de há séculos, mais o laxismo que se agravou com a ideologia igualitária e facilitista. Para além da incultura histórica do País e da generalizada mentalidade laxista, o principal problema da Educação foi, e continua a ser, o Ministério da Educação.

Mas será que o estado da Educação vai piorar com este Governo? Não creio. Nem piorar nem melhorar. Apesar da perturbação introduzida no início do ano escolar (novamente o amadorismo e as políticas feitas à pressa) a dinâmica interna da Escola não mudou e continuará a produzir os mesmos resultados, apenas mudou o nível de incómodo dos intervenientes. Exemplificando, os alunos que tiveram aulas de substituição no Ensino Secundário obtiveram um aproveitamento escolar idêntico ao que teriam sem tais aulas, e os professores que as deram continuaram a ter uma produtividade escolar semelhante, apenas variou o gasto de energia e de tempo. Não houve variação nos resultados porque, simplesmente, o problema da falta de aproveitamento escolar não era devido à falta de aulas de substituição nem ao tempo que os professores ou os alunos gastam na Escola. As políticas educativas inconsequentes, os programas e os currículos desadequados, a falta de empenho dos alunos e a mentalidade laxista, a falta de disciplina e de exigência escolares, a falta de uma sociedade que trate com severidade a displicência perante a Escola dos seus filhos trapalhões, a falta duma educação obrigatória para adultos que evite a reprodução de gerações de analfabetos, a falta duma cultura de mérito que valorize o sucesso e puna a irresponsabilidade, tudo isso continua igual e continuará a produzir os mesmos resultados.

Se um pai e uma mãe são analfabetos, o filho será com grande probabilidade um mau aluno. Se queremos melhorar os resultados escolares desse filho temos que atacar também o analfabetismo dos pais. Terá que se tratar o problema na fonte, por isso toda a população inculta tem que ser trazida à Escola. Uma sociedade que, desde os seus estratos mais baixos até aos mais elevados, não valorize o saber e a cultura, está condenada aos maus resultados escolares e à baixa produtividade.

Artigo publicado no Público | 2007

A Educação em Portugal não vai Colapsar...
assim haja fortaleza perante o disparate e a incompetência
José Prudêncio
Tenho esperança que o sistema educativo se vá aguentando mesmo com os ataques violentos de incompetência e disparate do actual Ministério da Educação Rodrigues e do Governo Sócrates que o apoia. Daqui a alguns anos qual será o resultado das tempestades a que se tem assistido ao longo do corrente ano lectivo. Será que algo de bom se lhe poderá atribuir?

Um político que não tem a inteligência nem a consciência histórica dos resultados prováveis da sua acção, jamais deveria tomar quaisquer medidas.

A actual Ministra da Educação ataca os professores de forma indiscriminada e com generalizações grosseiras. Um Ministro da Educação que tivesse uma ideia mesmo que vaga do que fazer para efectivamente melhorar o ensino a última coisa que faria era atacar as pessoas de quem precisa para colaborarem nessa tarefa.

Duma maneira geral os bons professores vão continuar, quando estão perante os seus alunos, a fazer um trabalho de qualidade e com a eficácia possível.

Como não se tem ideia do que fazer, como não se reflectiu com profundidade e com rigor sobre os problemas, opta-se pelas acusações gerais e pelas iniciativas demagógicas. Atacam-se os professores mas não se verifica quais deles não cumpriram as suas funções. Nada é feito para identificar o problema e não se tomam as medidas necessárias e específicas para o resolver.

Diz a Ministra que os melhores professores ficam com as melhores turmas. É fácil saber quais são os melhores alunos porque eles são avaliados trimestralmente, mas de que modo sabe a Ministra quais são os melhores professores? Tirando o estágio, quando é que eles foram avaliados? Quais os critérios para dizer quais são os melhores professores?

A Ministra da Educação Maria de Lurdes acusa a Escola e os professores de “não estarem orientados para o sucesso dos alunos”. Acontece que essa “orientação para o sucesso” é uma questão de política educativa. Os políticos ao longo dos anos deixaram arruinar o interesse pela Escola através de políticas inconsistentes, permitindo que se instalasse o laxismo, a indisciplina, a falta de rigor, a inexistência de exames, os programas desadequados.

E não há quem lhe diga alguma coisa? Que lhe dê umas lições de bons modos e de inteligência política? Provavelmente a senhora até terá alguma competência em algum assunto. Mas quem lhe terá dito que o ressentimento e o ataque aos professores e à Escola são um programa político? Será que ninguém é capaz de lhe dizer que, se tem alguma ideia, a deve colocar de forma positiva?

Os behavioristas há muito sabem que a instrução negativa, o reforço negativo, o castigo, são muito menos eficazes do que a instrução positiva. Será que a Ministra da Educação nem este rudimento sabe? É irrelevante e disparatado dizer “a Escola e os professores não estão preparados para os sucesso dos alunos”. Adianta identificar as práticas e os comportamentos que vão contra esse sucesso, definir claramente as novas práticas e os novos comportamentos, fazer um trabalho consistente de informação aos principais envolvidos, Alunos, Professores, Pais, dos objectivos que se pretende alcançar

O estado da Educação em Portugal não pode ser atribuído a ninguém em particular, nem a esta ou àquela escola. A mesma escola tem resultados muito bons e muito maus. O mesmo professor tem alunos que tiram 18, 19 ou 20 e outros que tiram 3 e 4 valores.

Uma semana tem 168 horas, eu fico com uma turma de cerca de 28 alunos durante 3 horas por semana. Como é que nessas 3 horas os posso modificar de tal modo que isso tenha um efeito nas restantes 165 horas em que não estão comigo?

Quem tem o poder de em 3 horas modificar hábitos enraizados ao longo de anos? Eu sou o mesmo professor que tem alunos que tiram 18, 19 e 20 valores no exame nacional do 12º ano de Psicologia e de Filosofia enquanto outros tiram negativas baixas. Se o aluno não assume a responsabilidade pelo seu estudo, se os pais não o educam, como é que eu o posso fazer em 3 horas semanais com cerca de 30 alunos ao mesmo tempo?

Eu próprio tenho uma turma que tem média de 13,5 e outra, a quem dou o mesmo programa, seguindo o mesmo livro, tem média de 8,1. Quer dizer que resultados muito maus existem simultaneamente com resultados bons ou muito bons. Tenho muitos alunos que tiraram 3 valores nos testes de Psicologia, enquanto muitos outros tiraram 19 e 20.

A Ministra espanta-se por os melhores professores ficarem com as melhores turmas. Quer dizer que deveria colocar-se os piores professores a ensinar os melhores alunos? Se as melhores turmas ficarem sem os melhores professores, a estas assegura-se um pior ensino, mas às outras não se asseguram melhores resultados. Será talvez uma boa forma de garantir aos melhores alunos a pior educação possível e desse modo democratizar ainda mais os maus resultados.

Dizer que os melhores alunos ficam com os melhores professores serve para acicatar ódios cegos. Como ninguém se julga beneficiado pelo sistema, esta afirmação apenas serve para agravar o mal que se quer evitar.

A questão nem sequer pode ser colocada nesses termos, porque a partir de tais pressupostos não se chega a nenhuma conclusão que possa ser útil para melhorar o estado das coisas. Eu tenho dúvidas sobre essa interpretação que considera calamitoso o estado da Educação em Portugal.

A senhora Ministra não sabe o que fazer para melhorar a Educação em Portugal, faz o que calha, num voluntarismo não reflectido, disparando em todas as direcções e acertando naquilo que deveria proteger: os professores, o bom ambiente de trabalho nas Escolas, os alunos.

Veja-se o caso das aulas de substituição: foram mal pensadas e mal implementadas desde o início, foram impostas à pressa e a martelo. Resultado: suscitaram a rejeição generalizada dos alunos e dos professores, tornaram-se ridículas, patéticas... e de novo se perdeu a oportunidade daquilo que poderia ter sido uma ideia interessante.

Vejo o trabalho desta Ministra como um extraordinário exemplo daquilo que não se deve fazer nem dizer. Já aprendemos que chegue com ela. É chegada a hora de lhe dar uma medalha e de a mandar para casa. Muito obrigado, Senhora Ministra!

Junho 2007

Será Que Ainda Alguém Sonha?
José Prudêncio
Perante o ambiente de conflito e de confusão que se instalou na escola, perante os novos ataques burocráticos e o amadorismo voluntarista do Ministério da Educação, perante a desorganização e o logro do ensino dito profissional, perante a imoralidade laxista das "novas oportunidades socráticas", perante a displicência acrescida de muitos alunos e os casos cada vez mais graves de indisciplina, perante o desprestígio dos professores e da educação, a minha preocupação primeira enquanto professor passou a ser "preservar a minha própria integridade e a minha saúde mental". Não devia ser assim. Durante 20 anos não foi assim.

Falo com muitos dos melhores professores que conheço. Deram anos a fio o seu melhor à escola e aos alunos, pensavam continuar a ensinar até aos 70 anos. Agora só pensam em desistir e em reformar-se.

Atacar os professores para melhorar a educação é como bombardear um país para promover a paz. Será que ainda alguém sonha que o caos que se vem abatendo sobre a escola não vai ter consequências?

Novembro 2007

Ética para um Jovem
Fernando Savater
As coisas podem ser bonitas e úteis, os animais (pelo menos alguns) parecem simpáticos, mas os homens o que querem – o que queremos – é ser humanos, não instrumentos nem bichos. E queremos ser tratados como seres humanos, porque a humanidade é algo que depende em boa medida do que fazemos uns com os outros. Explico-me melhor: o pêssego nasce pêssego, o leopardo chega ao mundo já como leopardo, mas o homem de maneira nenhuma nasce já homem e nunca chegará a sê-lo se os outros nisso o não ajudarem. Porquê? Porque o homem não é somente uma realidade biológica, natural (como os pêssegos ou os leopardos), mas também uma realidade cultural. Não há humanidade sem aprendizagem cultural e, para começar, sem aquilo que é a base de toda a cultura (e fundamento, por conseguinte, da nossa humanidade): a linguagem. O mundo em que vivemos, seres humanos que somos, é um mundo linguístico, uma realidade de símbolos e leis sem a qual não só seríamos incapazes de comunicar entre nós mas também de aprender a significação do que nos rodeia. Mas ninguém pode aprender a falar sozinho, porque a linguagem não é uma função natural e biológica do homem mas uma criação cultural que herdamos e aprendemos de outros homens.
Uma Criança e um Espermatozóide
José Prudêncio
Parece que muita gente ainda não notou que um feto e um ser humano não são a mesma coisa.

À parte as crenças religiosas que cada um poderá ter, aquilo que confere dignidade a um ser humano é, primeiro, a sociedade onde ele vive e, segundo, a sua possibilidade de se tornar alguém. Se não existirem nessa sociedade alimentos, segurança, saúde, paz, afecto, a sua dignidade é nenhuma porque será cadáver em pouco tempo.

Há uns anos pensava-se que a masturbação causava todos os males e, evidentemente, era pecado punido com o Inferno. É duvidoso que os espermatozóides sejam seres humanos ou que os óvulos o sejam (quem sabe, talvez sejam meias-almas na mitologia cristã). Também não creio que baste juntar um óvulo e um espermatozóide para haver um ser humano.

Isto de tornar-se humano é coisa que leva muito tempo...

Uma das características dum ser humano é ter de se construir num contexto cultural, e esse é um trabalho de todos os dias onde nada está garantido e onde tudo se pode vir a perder. Por isso, talvez fosse melhor gastarmos a nossa energia a tentar melhorar a vida de algumas das crianças de facto em sofrimento, à beira da morte pela fome, pela doença e pela guerra, do que em especulações religiosas ou metafísicas sobre a natureza de um feto.

31.1.2007

Adopção por Homossexuais
José Prudêncio
Igualmente edificantes são os valores morais de quem acha inaceitável uma criança ser adoptada por homossexuais...

Num planeta onde milhões de crianças morrem à fome e ao abandono, só obscuros ideais de humanidade podem recusar a protecção e o afecto que dois seres humanos se dispõem a dar a uma dessas crianças.

31.1.2007

A Superioridade Cristã segundo Ratzinger
José Prudêncio
É evidente que o Papa Ratzinger não é ingénuo. O seu discurso na Universidade de Ratisbona pode ter sido profundo e complexo mas a citação do imperador cristão bizantino, Manuel II Paleólogo (1391), quis marcar a diferença e a superioridade do cristianismo em relação ao islamismo.

“Mostra-me o que Maomé trouxe de novo, e verás apenas coisas más e desumanas, como a sua ordem de divulgar a fé usando a espada.”

Infelizmente a prova da História não parece corroborar a superioridade cristã. Senão vejamos.

A guerra santa e as suas atrocidades também existiram no cristianismo e não poucas vezes os cristãos combateram em nome de Deus. Igualmente, a vontade de impor a fé pela força foi uma constante na história da Igreja, sendo a Santa Inquisição um exemplo eloquente e duradouro.

Se actualmente se pode falar de superioridade do cristianismo em relação ao islamismo isso deveu-se às limitações que o Iluminismo, o Humanismo e o desenvolvimento científico e tecnológico do Ocidente impuseram às pretensões do poder religioso. Não fosse isso e as diferenças entre o fundamentalismo monoteísta cristão e o islâmico não seriam grandes. É por isso que a citação do Imperador Bizantino não só foi inoportuna como a sua substância não resiste à prova dos factos.

19.9.2006

La Fontaine Apócrifo
José Prudêncio
E segue-se uma fábula de La Fontaine que se crê apócrifa:
«No tempo em que os animais falavam passou um rato e disse:
"Olá colega, somos mamíferos!"
"Senhor Rato, parece-me que algo lhe escapa", respondeu o tigre.
Depois passou uma galinha que disse:
"Olá colega, somos aves!"
"Senhora Galinha, parece-me que algo lhe escapa", respondeu a águia.
E os quatro continuaram pelos seus caminhos idênticos e desiguais.
Depois vieram outros bichos que nada disseram por já ter passado o tempo em que os animais falavam.
Dum ou doutro modo, aquelas conversas não se repetiriam porque os tigres e as águias foram morrendo, extinguindo-se, e os ratos e as galinhas não se julgavam colegas.

Moral da história:
Mais vale um tigre escondido que um tigre morto, e as águias também podem voar onde ninguém as vê, ainda assim, em rigor, não chega isto a ser um argumento consistente a favor do solipsismo.»

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Última actualização: Julho de 2011
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